segunda-feira, 14 de junho de 2010
Felicidade em debate
Reconheço e respeito a importância dos parlamentos na história política das sociedades, mas fica muito difícil de defendê-los quando os que propõem legislações que deveriam beneficiar diretamente o cidadão acabam ganhando espaço mais pelas propostas curiosas e excêntricas que lançam do que pelo trabalho parlamentar comprometido em defesa do país.
Falo isso porque me surpreendi ao descobrir que o Senado tem se dedicado a defender a chamada PEC da Felicidade, uma Proposta de Emenda Constitucional que visa incluir as palavras “procura da felicidade” na redação atual do artigo 6º da Constituição, que enumera os direitos sociais dos brasileiros.
A intenção de alguns senadores, em apoio ao movimento + Feliz, liderado pelo publicitário Mauro Motoryn e que conta com adesão do terceiro setor e de representantes da classe artística, é pressionar o Estado para que o bem-estar seja um dever reconhecido e transformar a felicidade em um direito constitucional, ao lado da educação, da saúde, da alimentação, do trabalho, da moradia, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e à infância e da assistência aos desamparados.
Na defesa da proposta, o grupo diz que quanto maior for o esforço e o envolvimento de todos para melhorar o país, mais feliz será nossa sociedade. Ok, acredito que ninguém ousaria ir contra tal argumento, mas até que ponto uma lei será capaz de assegurar o direito de ser feliz? Até porque a mesma Constituição que nos garante os direitos sociais listados acima não tem uma sociedade nem um parlamento devidamente comprometidos em cumprir com esses preceitos.
De que adianta falarmos em defesa do direito à felicidade se a maioria da população brasileira não tem acesso à educação, a alimentação, ao trabalho? Há alguma possibilidade de garantirmos a felicidade quando falta atendimento de saúde, moradia digna, segurança, lazer e condições mínimas de manter uma vida digna?
Ao embasarem a defesa do movimento e da alteração no artigo constitucional, os defensores da medida usam como comparativo a realidade de outros países, como os EUA, Japão, Coréia do Sul e Butão, que há séculos consideram a busca da felicidade um direito, apesar de sabermos que, na prática, não são exemplares nesse sentido.
Felicidade deve, sim, ser um direito festejado e buscado incansavelmente por cada um de nós, mas ele independe até da condição humana, social, econômica de cada um de nós.
A noção coletiva de felicidade inexiste e todos sabemos que o Estado não se empenha nem se empenhará o suficiente para garantir tais condições a todos nós. Então, antes de mais nada, conquistar o direito à felicidade deve ser uma batalha particular de cada um, independente do que dizem leis, regras e governos.
Defendo com unhas e dentes o direito à felicidade e brigo por isso diariamente para beneficiar a mim e aos que amo. Mas querer cobrar do Estado tal prerrogativa, quando tantas outras ainda estão em aberto nesse país, já é querer demais, não acham?
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2 comentários:
Acho! Acredito!
O problema é que vivemos num país cheio de ranço, que desde cedo conheceu a exploração, fraude, corrupção, ilegalidade... e assim vai, desde de cedo vivemos no país em que os nossos representantes olham antes de tudo para seus interesses, o interesse do coletivo... nem preciso comentar que eles não estão nem nem prá eles.
Ótimo texto,
bjs
podiam começar cumprindo a constituição e colocando o salário mínimo num patamar adequado
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