segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Borboletas sobre os escombros
Volta e meia, por conta do trabalho, acabo me deparando com algumas situações realmente calamitosas. Já cobri incêndios, acidentes, homicídios, mas nada tem mexido mais comigo do que as cenas reais de revolta da natureza contra o homem.
Há dois dias cumprindo roteiros na Serra gaúcha, fomos surpreendidos com a força da chuva torrencial que, em menos de duas horas, deixou centenas de famílias desabrigadas, casas destruídas e vítimas pela região. As cenas são difíceis de serem descritas. Encostas de morros viram lama, casas se transformam em pedaços de madeira e entulho e a realidade de famílias comuns, como as nossas, torna-se pesadelo.
Pelos cálculos dos meteorologistas, choveu na serra gaúcha mais de 180 milímetros no período de duas horas, o equivalente a dois meses e meio de chuva. As previsões para a região Sul são pessimistas e há indícios de que esse será um dos verões mais chuvosos, com direito a muitos temporais, ciclones e destruição.
O que vi ontem e hoje foi o retrato de uma tragédia. O relato das pessoas é impressionante. Dona Neusa Brocker, que reside com a família em uma casa no km 15 da RS-115, em Três Cachoeiras, conta que em minutos viu parte de sua casa virar ruínas. Segundo ela, a família saiu para conferir os estragos na vizinhança e o volume inacreditável do Rio Paranhana. Ao retornar para a casa, encontrou os fundos da casa resumido a escombros.
Tristeza, medo e sentimento de impotência diante da incontrolável força da natureza estavam presentes nos rostos de cada um dos membros da família Brocker e provavelmente de seus vizinhos, parentes e amigos que sofreram com o rápido temporal. No entanto, a união de todos e a própria necessidade de uma ação rápida fez com que os empecilhos fossem minimizados e a família começasse a limpar o terreno e pensar nos próximos passos, sem ligar para o risco de novos deslizamentos, por exemplo.
A exemplo do que ocorreu em Angra dos Reis, tomadas as devidas proporções, é claro, Defesa Civil, entidades e as próprias comunidades têm sido incansáveis para tentar agilizar a reconstrução de áreas e dar um pouco de alento às famílias atingidas. Colchões, roupas e alimentos já estão sendo providenciados e recursos e máquinas chegando à região.
Apesar de passar por um dos maiores sustos de suas vidas, os membros da família Brocker, assim como os de tantas outras, levantaram a cabeça e tratam de pensar em reconstruir o que têm. E, com a simplicidade que lhes é característica, provam que têm bem mais do que precisam, como união e espírito de solidariedade, características capazes de mover montanhas e superar tragédias como as climáticas que assolam o mundo afora. Nos olhos de dona Neusa, apesar da tristeza diante da perda de seu ateliê e de bens materiais que ficavam no cômodo destruído, vê-se nitidamente a presença de esperança e de força para superar as dificuldades.
Antes de sair do lamaçal em que se transformou o terreno da família, com um misto de tristeza e inconformismo na alma, reparei em duas borboletas cor de laranja que, graciosas, sobrevoavam as imediações da tragédia, como se quisessem me mostrar que a natureza é bela sim, que cabe a cada um de nós pensar no que tem feito para preservá-la, e que sempre há uma esperança. Naquele exato momento, eu, que amo borboletas e tenho a cor laranja como uma de minhas preferidas, evoquei mais uma vez o fluxo das coisas e me certifiquei que, na vida, nada acontece por acaso e que, sempre, pode-se tirar um aprendizado de cada situação. Até das mais calamitosas.
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2 comentários:
Ver borboletas, ver o fluxo das coisas, agora só falta surfar nele, tudo ao seu tempo... mas você está vendo coisas, um passo e tanto...
Baita texto, Fe!
Eu fico com uma vontade louca de sair correndo de casa e ir ajudar essa gente toda. É muito triste as pessoas perderem suas casas inteiras, que levaram uma vida para construir.
Eu queria doar umas coisas, principalmente da Valentina, para eles. Tem ideia de como eu posso fazer? Aliás, fikadika pro chefe abraçar essa...
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