quarta-feira, 24 de junho de 2009

Tristes cenas da vida real


Essa manhã, faltando quase uma hora para o meu despertar obrigatório, sonhei que estava sendo atacada por um homem, que tentava me assaltar e usava um menino pedinte como isca. A cena, infelizmente corriqueira nos dias de hoje, é muito simples. O menino vem pedir dinheiro e quando a gente se distrai, vem o adulto e pá, rouba a bolsa da gente, muitas vezes usando de violência.

O sonho, como tantos outros, foi estranho, porque na cena principal eu estava sentada em um banco, em plena Avenida Ipiranga (uma das principais de Porto Alegre), de frente para o horrendo Arroio Dilúvio, também conhecido como Riacho Ipiranga, que corta a cidade levando metros cúbicos de lixo, areia e esgoto cloacal. A Avenida, uma das mais movimentadas daqui, jamais seria palco de um banco e eu, em sã consciência, não sentaria nunca para apreciar aquela vista.

No entanto, o sonho me pareceu tão real. Lembro do rosto do menino, entre oito e dez anos, negro, com bochechas marcadas e grandes olhos espertos, que me lembrava o personagem Acerola, de Douglas Silva, no Cidade dos Homens. Com um sorriso simpático, ele se aproximava e pedia um trocado. Quando eu tentava alcançar alguma moeda ao garoto, apareceu o adulto, mulato, magro, com aquela esperteza irônica que a gente cansa de ver nas ruas e se atraca na minha bolsa – uma bolsa roxa de couro que eu não tenho -, enquanto o menino tenta me segurar por um dos braços.

Lembro de, erroneamente, claro, reagir à tentativa de assalto, pegar o controle da minha garagem e bater com tudo no nariz do homem, que me largou instantaneamente, dando a senha pra eu sair correndo avenida afora. Nos momentos finais dos quais me recordo eu apareço correndo com os dois atrás e perco o fôlego, tenho um acesso de tosse e sento a garganta quase fechar. Acordei exatamente nessa hora, com o nariz trancado, a garganta idem, a respiração acelerada, tossindo em um claro ataque de rinite.

Passava das 6h e eu acordaria só às 7h, mas a agonia foi tanta que acabei levantando para beber água, tomar um antialérgico e me recompor. Claro que não dormi mais, apesar de ficar na cama, mas a imagem do rosto do guri do sonho não me sai da cabeça até agora. Era um rosto familiar, eu o tinha visto momentos antes de pegar no sono, em um dos quadros do Profissão Repórter, que ontem explorava o trabalho infantil.

O tal menino morava em Santo Amaro de Jesus, interior da Bahia, cidade conhecida por ser a maior produtora de fogos de artifício do Nordeste. Assim como as outras três crianças de sua família, com idades entre cinco e 11 anos no máximo, ele trabalhava na fabricação de explosivos individuais, tipo chumbinhos, que, produzidos em centenas, rendiam menos de R$ 1 à família.

A matéria era triste, mostrava a pobreza daquela gente, os rostos sofridos dos pequenos que, ao invés de estarem estudando ou brincando, amargavam mais de cinco horas diárias de trabalho em casa, para ajudar no sustento da família, correndo riscos de sofrer com problemas pela inalação de resíduos de pólvora e até mutilações pela explosão dos artefatos em suas pequenas mãozinhas.

A cena era triste, o quadro idem, mas o que mais me marcou foi o rosto daquele menino, que depois aparecera no meu sonho, outra vez fora da escola, da praça, das brincadeiras, do carinho de um ambiente familiar saudável ao qual toda a criança deveria estar sujeita. As imagens me perturbaram, assim como o sonho, mas apenas retrataram cenas da vida real de milhares e milhares de crianças que nos passam despercebidas diariamente nas sinaleiras e esquinas das grandes cidades. Me ficou uma melancolia daquelas, apesar do dia ensolarado de inverno...

Um comentário:

Alvaro Neto disse...

Pois é, será a realidade um pesadelo construído por tristes personagens que seu pouco de humanos tem cada vez menos?