Uma rápida descidinha até o térreo bastou para me lembrar de como as pessoas ficam mais elegantes no inverno. Ver os que chegam encasacados, com os narizes vermelhos de frio, mãos com luvas de couro ou de lã, cachecóis dos mais diferentes tipos e botas não bastava. Minha constatação foi baseada na observação da cabeça dos senhores, de idades variadas, que elegantemente sustentam seus chapéus.
Dos mais variados materiais, porém de cores sóbrias, como cinza, marrom e o indefectível preto, os chapéus dão um tom diplomático aos gaúchos. Podem ser de feltro, lã, ou fibra, mas impõem respeito da mesma forma aos seus donos, de qualquer jeito. É como se o acessório fosse um complemento do homem, assim como a bolsa o é para qualquer mulher. Há senhores que, com o intuito de proteger a cabeça do frio, passam o inverno inteiro com o mesmo chapéu, quase como se virasse complemento do próprio chapéu. Chega a ser engraçado.
Lembrei de um conto do Machado de Assis que li ainda no colégio. Em resumo, contava a história de uma mulher que reclamava do chapéu usado diariamente pelo marido. Àquela época, em pleno século XIX, chapéu era símbolo de status e a moça não achava o do cônjuge imponente ou a altura dele, insistia para que trocasse. Hoje, imagino eu, tentando fazer um paralelo com a nossa (fútil) realidade, o “acessório” que dá mais status ao homem moderno é o carro. No caso dos mais abastados - ou metidos a- seriam aquelas caminhonetas modernas, cheias de opcionais e faróis aerodinâmicos, os acessórios capazes de garantir aos homens o respeito, a admiração e até a inveja alheia. Engraçada a (in) evolução da espécie ao longo dos anos.
Pois, voltando aos chapéus, em uma rápida procura no mundo maravilhoso do Google, localizei o tal conto machadiano e dele reproduzo o trecho que mais me chamara atenção. Em determinado momento, o autor nos faz entender que a escolha do chapéu não é uma ação indiferente ao homem, mas regida por um princípio metafísico:
“o chapéu é a integração do homem, um prolongamento da cabeça, um complemento decretado ab æterno; ninguém o pode trocar sem mutilação. E uma questão profunda que ainda não ocorreu a ninguém. Os sábios têm estudado tudo desde o astro até o verme, ou, para exemplificar bibliograficamente, desde Laplace e a Mecânica celeste até Darwin e o seu curioso livro das Minhocas, e, entretanto, não se lembraram ainda de parar diante do chapéu e estudá-lo por todos os lados. Ninguém advertiu que há uma metafísica do chapéu. Talvez eu escreva uma memória a este respeito” (Capítulo dos Chapéus, de Machado de Assis. Volume de conto, 1884).
Se os senhores que vi hoje vestindo alinhados chapéus, e que me fizeram lembrar do meu querido – e não menos elegante – avô, têm noção do poder metafísico desses acessórios, não sei, mas que se destacam dos demais exatamente por causa dele, disso não há dúvidas!
Um comentário:
Tu está indo por novos territórios. Muito bom, amplo e vigoroso. De tirar o chapéu :)
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